Muitos segmentos do varejo terão que se adaptar à nova realidade pós pandemia do Covid-19, mas poucos serão tão impactados quanto às óticas. Lojas em que o contato humano próximo e, principalmente, a manipulação de objetos – os óculos – é uma atividade constante, natural e essencial para o funcionamento do negócio.

Passado todo o período crítico de redução da mobilidade social, as lojas físicas voltarão ao seu funcionamento em algo novo, que ainda não temos certeza absoluta de como será, que chamaremos de normalidade. Haverá o varejo antes e pós-2020.

A partir de 2020 todas as relações de varejo e consumo serão modificadas e, graças a engenhosidade humana, adaptadas em novos comportamentos.
Somos ao mesmo tempo espectadores e atores de um acontecimento que marcará a contagem do tempo a partir de agora.

As óticas são lojas em que os funcionários e clientes estão expostos ao contato próximo, devido a forma como parte do processo de compra – a escolha e a decisão – se desenrola. A assessoria do colaborador na escolha dos modelos e o ato de provar, experimentar as armações no rosto, são partes fundamentais da jornada de compra nas óticas.

Estes pontos de contato chave serão os que receberão mais foco na busca de soluções eficientes. E por falar em soluções, a proposta deste artigo é refletir sobre as mais viáveis e práticas que poderão ser empregadas, no curto e médio prazo, para funcionamento deste importante segmento de varejo que está ligado tanto a saúde quanto a moda.

Uma das mais fortes experiências do cliente na sua jornada de compra dentro da loja física de uma ótica é o processo de experimentação das armações.
Em uma pesquisa produzida pela Luxóttica 72% dos entrevistados afirmaram escolher seus óculos na loja em menos de uma hora. E que, pegar e experimentar as armações é a primeira coisa que relatam fazer ao entrar no ponto de venda. Um pouco mais da metade (52%) acabou revelando que até escolhe as armações antes das lentes.

Este comportamento reflete a consistência e a constância do toque, da experiência, do ato de pegar com as mãos e levar ao rosto uma quantidade considerável de armações em um intervalo de aproximadamente uma hora.
O grande desafio das óticas será não só a limpeza das armações que é feita atualmente, mas sim a esterilização. Cabendo aqui um parêntese para uma diferenciação em linhas gerais:

Limpeza – Remoção de partículas de sujeira da superfície de um objeto.
Desinfecção – Processo que remove grande parte das partículas orgânicas presentes em uma superfície.
Esterilização – É o método que destrói todos os organismos patogênicos (bactérias, esporos, fungos e vírus).

Nestes processos podem ser utilizados agentes químicos, físicos e físico-químicos.

Não bastará, então, só limpar a poeira e marcas de dedo das armações durante o expediente. Será necessário o uso de processos que exterminem os vírus, que potencialmente poderão ser depositados nos óculos antes e depois de cada atendimento.

Uma das alternativas mais práticas e econômicas deverá ser o uso dos cleaning wipes, os lenços umedecidos com agentes desinfectantes. Acondicionados em embalagens protegidas, eles poderão ser sacados pelos vendedores na hora da limpeza das armações nos intervalos dos atendimentos. Mas, enfatizamos o “deverá” no início deste parágrafo pois os produtos atuais possuem duas realidades: ou são os específicos para óculos (os lens wipes), que os limpam satisfatoriamente, mas não os esterilizam. E os lenços esterelizantes, que efetivamente extinguem os patógenos mas, infelizmente, possuem em sua fórmula agentes químicos agressivos às armações e lentes.
Estes lenços também poderão ser utilizados para higienização dos equipamentos de contato direto com o cliente, como os pupilômetros.

Assim como a corrida para encontrar vacinas e remédios eficazes contra o novo vírus, o mercado químico-farmacêutico mundial procurará desenvolver, em curto prazo, produtos que atendam à nova etiqueta sanitária. Um produto que esterilize com eficiência e não danifique os óculos.
Atualmente o ACC – American Chemistry Council (Conselho Americano de Química), divulga uma lista atualizada com produtos certificados em neutralizar o Covid-19, veja neste link.

Outra forma de esterilização por processo físico é a utilização de luz ultravioleta, mais especificamente as do espectro UV-C.
Já existem no mercado equipamentos de pequeno porte que utilizam lâmpadas emissoras de radiação UV-C, mas são atualmente focados principalmente em smartphones. Esses equipamentos são como pequenas cápsulas onde o objeto é fechado e recebe radiação por um determinado tempo. Sites como a Amazon já comercializam diferentes modelos destes aparelhos, inclusive portáteis manuais.

O processo de esterilização por radiação UV-C tende a ser mais rápido que o processo existente hoje em dia que utiliza ultrassom (usado para limpeza dos óculos, não a esterilização).
Os esterilizadores UV-C semelhantes a cases e pequenos estojos serão mais eficientes pois exigirão menos intervenções físicas no mobiliário das lojas. Podendo ser distribuídos, de forma espaçada em cada bloco ou segmento de exposição das óticas.
A velocidade e o sucesso na certificação e aperfeiçoamento dos aparelhos UV-C também serão de imensa utilidade para o varejo de ótico.

Ainda falando da radiação ultravioleta C, utilizada há anos em ambientes de saúde para esterilizar ar, água e superfícies. Esta também poderá ser aprimorada para que as lâmpadas emissoras possam ser integradas à iluminação dos expositores e da própria loja, em intervalos de tempo em que pessoas não estejam próximas ou em horários em que esta esteja fechada. O uso constante atualmente ainda não é possível pois a radiação UV-C também é nociva aos seres humanos diretamente, interferindo ativamente nas proteínas do DNA e RNA das células, por isso, aliás, são eficientes em neutralizar os vírus tornando-os irreprodutíveis.

Por fazer parte de um espectro invisível da luz, as lâmpadas emissoras de radiação UV-C poderão ser desenvolvidas para funcionar em luminárias e conjuntos óticos existentes nas lojas, como spots e bocais. As lâmpadas disponíveis atualmente no mercado são aconselhadas para uso em ambientes sem a presença de pessoas, nos intervalos de ociosidade dos espaços, como intervalos, horários de fechamento e durante a madrugada.
Lembramos que ainda não existe tecnologia 100% segura que permita o uso de lâmpadas emissoras de radiação UV-C com a presença de seres humanos por curto ou longo tempo.

Em relação a materiais, mobiliário e à circulação dentro da loja podemos ainda fazer outras reflexões.

Dispensers e totens com álcool gel serão uma realidade no ponto de venda. Assim como o controle de lotação, que deverá ser estudado através da otimização da distribuição do mobiliário da loja no seu layout e os espaços de circulação.
Áreas de espera também deverão ser estudadas para regular a quantidade e a aglomeração de clientes dentro das lojas.

Maçanetas, puxadores, guarda-corpos, botões de elevador, torneiras e corrimões podem voltar a ser produzidos, ou conter em sua composição o cobre, como antigamente. Esse material, de conhecidas propriedades antibacterianas e antivirais, mostrou em testes recentes ser uma das superfícies com menor tempo de viabilidade infecciosa (sobrevivência*) para o SARS-Cov-2, o vírus causador da Covid-19. Ele consegue ficar sob uma superfície de cobre por apenas 4 horas, enquanto sobre uma superfície de aço inoxidável pode ficar por 3 dias.

Na verdade a arquitetura comercial, o design de varejo, estão habilitados e preparados para projetar mobiliários, expositores, balcões e displays já adaptados para acoplar e integrar na arquitetura da loja os equipamentos necessários para higienização pessoal e esterilização de objetos e equipamentos.

A Covid-19 ainda é uma novidade no meio científico, por isso os testes destas tecnologias, produtos e alternativas comentadas neste texto ainda estão ocorrendo na medida em que mais informações e descobertas são feitas.
Para manter os hábitos e a convivência humana, uma nova realidade está surgindo com base nas novas necessidades de saúde e higiene.
Como diz o ditado popular: “A necessidade é mãe da criatividade”.

Em tempo.
O uso da tecnologia de imagem e realidade aumentada terão um impulso maior no incentivo de seu uso. Telas e aplicativos com uso de realidade aumentada para experimentação virtual do catálogo da loja será uma alternativa que se popularizará. Espera-se que o custo de aquisição destas tecnologias seja reduzido com o tempo. Mas isto é assunto para um próximo artigo.

Flávio Radamarker.

*. Quando se trata de vírus não podemos nos referir a sobrevivência do mesmo, mas sim como capacidade infecciosa já que um vírus não é considerado um ser vivo. Mas, para melhor entendimento do texto, que não tem pretensões de ser um artigo científico, usamos a palavra sobrevivência destacada para melhorar o contexto da explicação.

Fontes e crédito das imagens
Regency Lighting
USA Today – Cleaning wipes are selling out—here’s where you can still get them
Forbes – 7 Of The Best UV Sterilizers For Phones And Other Household Objects
Luxóttica – Consumer Decisio Journey Research Report
Core77 – Infectious Ideas: Using Antimicrobial Copper Alloys in Hospitals
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